Sabor que chega cedo: "Kawatta" e "Majorca" antecipam a colheita de laranjas no Brasil

As laranjas-doces ‘Kawatta’ e ‘Majorca’, desenvolvidas pela Embrapa em parceria com institutos paulistas, prometem colheita antecipada, suco mais doce, produtividade robusta, alívio a gargalos industriais na entressafra citrícola brasileira e benefícios aos produtores regionais em larga escala.

Embrapa, laranja
Frutos maduros da laranja-doce ‘Majorca’ exibem coloração uniforme e calibre comercial em pomar experimental da Embrapa. Foto: Eduardo Augusto Girardi/Embrapa.

As manhãs frias de junho costumam marcar o começo da entressafra nos pomares paulistas, mas dois novos nomes prometem mudar esse calendário: as laranjas-doces precoces ‘Kawatta’ e ‘Majorca’. Desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com o Centro de Citricultura Sylvio Moreira/IAC, a Fundação Citrus, a Citrosuco, a Unesp e a Esalq/USP, essas cultivares chegam ao mercado com a promessa de entregar frutas saborosas e abundantes antes do período tradicional de colheita.

A cadeia citrícola brasileira, responsável por um em cada três copos de suco consumidos no mundo, busca continuamente variedades que aliem produtividade, qualidade industrial e menor risco climático.

Foi nesse contexto que, após décadas de ensaios em pomares de Bebedouro, Itapetininga e outras cidades do cinturão citrícola de São Paulo, ‘Kawatta’ e ‘Majorca’ mostraram desempenho acima de 30 toneladas por hectare, mantendo teor de sólidos solúveis comparável ou superior às campeãs atuais. A seguir, entenda por que essas cultivares despertam tanto interesse entre produtores, indústrias e consumidores.

Do pé ao copo: o que torna uma laranja precoce tão especial?

As variedades precoces são colhidas de maio a agosto, adiantando a oferta de fruta para a indústria exatamente quando o estoque de suco concentrado começa a cair. Isso reduz gargalos e garante preço mais estável ao produtor. No caso de ‘Kawatta’ e ‘Majorca’, os ganhos vão além do calendário:

  • Rendimento de suco acima de 50 %: cada cem quilos de fruta geram mais de cinquenta litros de suco, poupando energia no evaporador.
  • Teor de °Brix competitivo: entre 11 e 13, ideal para bebidas 100 % fruta sem adição de açúcar.
  • Cor e vitamina C valorizadas: ‘Kawatta’ oferece coloração alaranjada intensa, enquanto ‘Majorca’ destaca-se pelo alto teor de ácido ascórbico.
  • Bom pegamento em porta-enxertos comerciais: ambas crescem bem sobre citrumelo ‘Swingle’, tangerineira ‘Sunki’ e limoeiro ‘Cravo’, facilitando a adoção em pomares já instalados.

Esses atributos permitem que a indústria padronize o blend de sucos, mantendo sabor equilibrado ao longo de todo o ano, e oferecem ao consumidor final um produto naturalmente mais doce nas semanas frias do inverno.

Bastidores da pesquisa: da introdução ao registro

Apesar de aparecerem como “novidades”, as duas cultivares têm longa história. ‘Kawatta’ chegou ao Brasil em 1969, vinda do Suriname, e ‘Majorca’ desembarcou na década de 1980 como broto-mãe da Flórida. Desde então, pesquisadores da Embrapa e do IAC conduziram avaliações de rendimento, resistência a pragas, adaptação a climas subtropicais e qualidade do suco em diferentes porta-enxertos.

O processo foi meticuloso: cada safra gerou dados de peso de fruto, sólidos solúveis, ratio açúcar/ácido e produtividade por hectare, comparados a cultivares já consolidadas, como ‘Hamlin’ e ‘Valência Americana’.

Com resultados consistentes, a equipe enviou os dossiês ao Serviço Nacional de Proteção de Cultivares, que liberou o registro comercial em 2025. A última etapa, a multiplicação de borbulhas indexadas, está sendo feita em viveiros certificados para garantir mudas livres de vírus e de Huanglongbing (HLB), a doença do “greening”. Assim, produtores poderão adquirir material propagativo ainda no segundo semestre deste ano.

Impacto no campo e na mesa

Ao antecipar a safra, ‘Kawatta’ e ‘Majorca’ ajudam a diluir custos fixos de colheita, diminuem a ociosidade das fábricas de suco no início do inverno e criam janelas extras de geração de renda para pequenos e grandes produtores. A adoção, porém, exige planejamento: as árvores são vigorosas, pedem podas de formação, e seu ciclo bienal pode resultar em alternância de produção, exigindo técnicas de regulagem de floração para manter a estabilidade de safra.

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Metades da laranja ‘Majorca’, em ensaio da Embrapa, mostram polpa vibrante e suculenta. Foto: E. A. Girardi/Embrapa.

Do ponto de vista ambiental, cultivares precoces podem reduzir a necessidade de irrigação em regiões de seca tardia, pois a colheita ocorre antes da fase mais crítica do déficit hídrico. Contudo, a suscetibilidade ao HLB segue como desafio. Isso reforça a importância de programas integrados de controle do vetor, o psilídeo-asiático, e da adoção de mudas certificadas.

Por fim, a introdução dessas variedades dialoga com metas de segurança alimentar ao oferecer matéria-prima de alta qualidade para sucos que abastecem tanto o mercado interno quanto o externo. Cada copo produzido a partir de ‘Kawatta’ ou ‘Majorca’ carrega uma história de pesquisa colaborativa e mostra como a ciência pública, ao lado da iniciativa privada, pode entregar soluções concretas para quem cultiva.

Referências da notícia

Laranjeira-doce ‘Majorca’: Cultivar precoce e produtiva (Folder digital CGPE 19083). Junho, 2025. Embrapa Mandioca e Fruticultura. (2025).

Laranjeira-doce ‘Kawatta’: Cultivar precoce e produtiva (Folder digital CGPE19082). Junho, 2025. Embrapa Mandioca e Fruticultura. (2025).